sábado, 2 de septiembre de 2006

ENTREVISTA A ROBERTO PIVA EN AGULHA


Roberto Piva no miolo do furacão[entrevista]
Floriano Martins
O poeta Roberto Piva (Brasil, 1937) tem aquela que talvez seja a obra poética mais incomum no âmbito de uma tradição lírica brasileira. Desde 1961, quando surge com a plaquete Ode a Fernando Pessoa, por um total de 20 anos seus livros circulam quase que clandestinamente, considerando sua precária distribuição, sobretudo fora da cidade de São Paulo. Em 1985 finalmente se publica uma antologia de sua poesia, porém logo em seguida ele fica por 12 anos sem publicar livros, ressurgindo apenas em 1997 com Ciclones. Somente agora no início deste século a Editora Globo, em um brilhante trabalho de Alcir Pécora, vem publicando as obras reunidas de Roberto Piva, em um planejamento editorial que prevê três volumes, dos quais acaba de sair o segundo. A entrevista que aqui recuperamos foi feita em 1986, tendo sua publicação original no SLMG # 1038 (Minas Gerais, 30/08/1986). Houve algo duplamente atípico na ocasião: em primeiro lugar, Piva perdeu as minhas perguntas e como eu também havia ficado sem uma cópia das mesmas, ele tratou de reescrevê-las de acordo com o que lhe restava na memória, o que torna o texto a seguir praticamente uma auto-entrevista. Em segundo lugar, embora a edição da mesma tenha ficado graficamente bem resolvida, incluindo uma mostra de poemas, a direção do Suplemento resolveu censurar algumas passagens, o que acabou resultando no meu afastamento após cinco anos de intensa colaboração com aquele órgão. O contratempo acabou nos deixando de tal forma desgostosos que nem mesmo guardamos exemplar da referida edição. Somente este mês, enquanto buscava outros papéis, é que localizei uma fotocópia da entrevista que, mesmo considerando os cortes violentos, é documento válido e ajudar a consolidar a força deste brilhante poeta que é Roberto Piva. [FM]
FM Piva, anarquia ou anarquismo?
RP Anarquia. Desordem total, sabotagem em regra, insubmissão absoluta. Como diz Léo Ferré, a anarquia é a crítica desesperada, o desespero da solidão. Anarquia é a negação de toda e qualquer autoridade, venha ela de onde vier.

FM Nós vivemos aqui com um nós na garganta. O que fazer?
RP Acredito com Nietzsche, na reaparição gradual do espírito dionisíaco no mundo contemporâneo. Apesar da caretice generalizada desta década de 80, eu acredito na grande explosão de Dionisus, deus do vinho, deus das bacanais, deus da ecologia e orixá da vegetação. Aqui em São Paulo a polícia fechou uma sauna gay de garotos da periferia e chamou os pais dos garotos na delegacia para humilhá-los e então liberá-los. Foi só a sauna reabrir, e lá estavam todos os garotos outra vez desafiando a autoridade policial, paterna e moral.
William Blake dizia que o desejo que se deixa reprimir não era um desejo suficientemente forte. Debaixo dessa casca dormem com um olho aberto todos os deuses pagãos. O golpe de estado erótico virá e então será a guerra profetizada por Freud no seu livro Totem & Tabu.
FM O poeta surrealista negro Aimé Césaire, em um poema, diz: “Salve pássaros que abrem com bicadas o verdadeiro ventre do pântano”. Você acha que ele se refere à nossa época e aos poetas?
RP Claro. O poeta é o que implode o verdadeiro ventre do pântano. Pode ser também o outsider, o louco, o adolescente revoltado, os bruxos, os amantes fora-da-lei, os anárquicos, os drogados, os desordeiros, os visionários etc. Me lembro agora de um verso também de Césaire, onde ele diz: “bárbaro eu a serpente escarradora”. O título deste poema é Bárbaro. Ele termina numa orgia de sangue onde afirma querer “atirar aos cães a carne aveludada de seu tórax”. Toda a poesia verdadeira rima com revolta, amor e liberdade.
FM E o bom-mocismo na atual poesia brasileira?
RP Artaud afirmava que a poesia é exercício muscular. Jack Kerouac falava que os músculos contêm a essência. A poesia é anterior às palavras. Grande parte da poesia atual brasileira (e não só brasileira) não quer correr risco algum, tem medo do perigo. Então assistimos a volta à poesia de gabinete, onde até a cor de sua escrivaninha os poetas contam nas entrevistas. É uma poesia domada pelo racionalismo cartesiano. Uma poesia de trinta anos atrás que se apoiava na indústria, dançou com o modelo industrial nesta época pós-industrial de biotecnologia e energia solar.
FM Caminhamos para uma sociedade policial?
RP O monopólio da informação e dos midia nacionais favorece a subordinação administrativa no seu papel de controle social, de burocratização do Mundo, segundo a palavra de Max Weber. A imagem do Estado policial popularizado pelo esquerdismo é retomada com mais variantes pelos ecologistas que sublinham não o seu caráter violento, mas a sua vontade de normalização. Trata-se menos de uma repressão franca e policial do que de uma opressão insidiosa caracterizada pelo domínio do conjunto dos comportamentos. As grandes vítimas desse tipo de normalização, no nosso tempo, foram: Fassbinder, Mishima e Pasolini. Pasolini dizia que o mundo caminhava no sentido de adotar os valores e comportamentos da classe média. Ele foi assassinado por um garoto michê marginal integrado, isto é, um garoto sub-proletário porém com todos os valores da classe média na cabeça. Daqueles que querem uma moto para colocar na garupa uma garota ornamental. Jim Morrison falava nos anos 60 que quem tem o poder da mídia tem o poder da mente. Zé Celso cansou de dizer que a mídia impõe a mensagem. Daí o consumo imposto pelos mídia de alimentos-sucata, de comportamentos-sucata de 50 anos atrás etc.

FM Qual a sua atividade no momento?
RP Erotizar e contemplar a árvore de qualidade colérica de que fala Jacob Böehme.

FM Quando você caminha pelas ruas de São Paulo o que mais chama sua atenção?
RP Os anões tagarelas, a enfermidade Silêncio, o Controle Central, os macacos não regenerados e os sobreviventes.
FM Qual a sua profecia para este final de década?
RP É o princípio do fim. Talvez garotos suburbanos com corpos pintados e máscaras de folhas espalhem um saudável terror com suas garras de leopardo envenenadas. Depois entrarão em cena os acadêmicos da morte, imitações supersônicas e agentes biológicos de inanição. Tudo sob um luminoso em néon escrito DIREITO. Em seguida o Apodrecimento Saturniano Vermelho fará sua aparição num cortejo de macacos de TV e bactérias.

No hay comentarios.:

Cuatro poemas inéditos de Ludwig Saavedra

  Oración pagana del amor mochilero   ¿El corazón merece perdón? Todo el silencio es despiadado Todo silencio es una playa De tiempo es esta...